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Feliciano Veras Contando Cocos: As Noites Produtivas do 1° Intendente municipal de Parnaíba.

Você vai aprender neste artigo:

Feliciano Veras Primeiro Intendente Municipal (1893 a 1895)

Descubra quem foi Feliciano Veras através deste conto de Humberto de Campos.

Felciano Veras, um figura iônica que retrada um pouco da identidade e da cultura local de Parnaíba no final do século XIX.

Explore a vida intrigante de Feliciano Gomes de Farias Veras, o pioneiro Intendente (Prefeito) de Parnaíba, e sua conexão única com seu sobrinho, Humberto de Campos.

Juntos, eles compartilharam uma relação especial que se estende além dos laços familiares.

Além disso, descubra a notável habilidade de Feliciano em calcular a produtividade noturna de cocos em sua chácara, uma faceta surpreendente de sua personalidade multifacetada.

Junte-se a nós para desvendar essa história cativante que entrelaça história, parentesco e curiosidade.

TIO Feliciano por de Humberto de Campos

Feliciano Gomes de Farias Veras –, a quem conheci em Parnaíba, foi, parece, o primeiro da família Veras que ali aportou. Estivera, antes, no Maranhão, no comércio. Acumulara pequeno capital e fora estabelecer-se, ainda solteiro, naquela cidade piauiense.

À medida que juntava dinheiro, comprava prédios. Ao fim de algum tempo era o maior proprietário urbano, recolhendo mensalmente um rendimento apreciável. Aproximando-se a velhice, abandonou o comércio e foi nomeado tesoureiro da Alfândega.

Aposentou-se, afinal, nesse cargo, e recolheu-se à sua grande quinta, nos Campos, da qual tirava, ainda, alguma renda, com a verba de cocos, mangas e cajus. Era tido, por isso, como usurário, quando não era senão um homem prático e precavido, que se não sente na obrigação de dar a estranhos aquilo que lhe pertence.

Dizia-se que passava a noite com o lápis e um pedaço de papel debaixo da rede, fazendo um traço cada vez que escutava, entre o barulho do vento no coqueiral, um estrondo na terra, e que, pela manhã, ordenava ao criado:

– Ó seu João! Vá juntar 22 cocos que caíram esta noite!

O casamento de Feliciano Veras

Casou-se. E à história do seu casamento, contada por ele com a sua ironia impiedosa e com a sua voz de velho tenor fatigado, não faltava graça nem pitoresco:

– Esta senhora – começava, referindo-se à mulher, a quem não dava senão este tratamento respeitoso, mas que sublinhava com um tom de sarcasmo inclemente – esta senhora havia nascido na fartura e na opulência.

Quando veio ao mundo, foi lavada em bacia de prata, na qual foram atirados anéis e outras joias de ouro e brilhante, para que tivesse felicidade e fortuna. Esta senhora gostou de mim, e eu dela.

Mas o pai e a mãe estavam esperando o imperador Carlos Magno ou um dos Doze Pares de França para lhe dar a filha em casamento. Quem era, meu caro senhor, quem era o pobre sr. Feliciano Veras para casar com a filha do ilustre sr. Mirandinha?

Essa oposição despertou nesta senhora o desejo de contrariar a família. Já era teimosa nesse tempo. O certo é que o sr. Feliciano Veras contratou uns remadores de confiança, alugou uma canoa que ficou ali no porto dos Tucuns, e foi raptar a filha do ilustre sr. Mirandinha…

Porto das Barcas
Porto das Barcas

Feliciano Veras raptou a esposa

Mal o sr. Feliciano Veras apareceu no canto da rua, esta senhora saiu de casa e deitou a correr no rumo dos Tucuns. Tinha mais pressa em ser raptada do que eu em raptá-la. Corria tanto que eu quase não conseguia alcançá-la.

Tomamos a canoa e subimos o rio. Pela madrugada desembarcamos em um casebre de palha desabitado, num braço do Parnaíba que eu nem sei mais aonde fica. Despachei os homens e fiquei só, com esta senhora.

Quando amanheceu, vimos nas paredes do casebre pedaços de peixe seco, enfiados na palha. Lavei o peixe no rio, assei, e foi esse o nosso banquete de núpcias. No dia seguinte fomos casar em Araioses… E desde esse dia, meu caro senhor, lá se foi o sossego da vida do sr. Feliciano Veras!…

Como vivia Feliciano Veras?

Alto, forte, gordo, moreno, olhos azuis, cabeça quase inteiramente branca, mas sem o menor sinal de calvície – estigma que não assinalou jamais nenhum dos Veras –, tio Feliciano vivia, então, a sua vida de capitalista. (Sem Calvície não condiz com a foto).

Na sua chácara dos Campos, a casa confortável possuía um alpendre vasto e aberto, deitando para o jardim estrelado de rosas. Era ali, numa rede larga, que ele, o camisolão de dormir passado por cima da calça de brim pardo, consumia, antes de se aposentar, todas as suas tardes, lendo e bufando até anoitecer.

Assinante de diversos jornais do Rio de Janeiro e do Maranhão, estava sempre ao corrente dos acontecimentos políticos e familiarizado com os nomes mais em evidência nas letras do país e do mundo.

E era aí que passava o dia inteiro, já depois de aposentado, e dava audiência, proferindo com humorismo sentenças bizarras, fora da lei mas dentro do bom senso e do bom humor.

O delegado Feliciano Veras

Quando o fizeram delegado de Polícia, um dia, apareceu-lhe um caboclo:

– Seu coronel, eu venho me queixar contra o meu vizinho o Antônio Malaquias.

– Que fez o Antônio Malaquias, meu amigo?

– Tocou fogo no meu roçado.

Meu tio voltou-se para o interior da casa, pedindo uma caixa de fósforos. Trouxeram-lha. E ele, para o queixoso:

– Aqui está, meu amigo. Leve esta caixa de fósforos, e, por minha conta, toque fogo no roçado do Malaquias!

A aversão social de Feliciano Veras

O seu tormento de toda a vida foi o conflito entre a sua misantropia e a afeição que a mulher dedicava aos parentes. Sem filhos, sem relações sociais que o caráter do marido não permitia, a senhora, pianista exímia, sentia, evidentemente, necessidade de desafogo, para o espírito e para o coração.

Buscava-o, naturalmente, na intimidade dos seus, atraindo-os para a sua companhia. Ele, porém, não compreendia isso. E desforrava-se, nas suas palestras pitorescas e coloridas, com ironias e ditos joviais, emitidos sem sorrir, e falando sempre alto, e soprando, como quem chega na carreira, cansado.

Conta-se que, certa vez, um dos cunhados que se achava no Maranhão, lhe telegrafou, urgente: “Apareceu aqui epidemia febre amarela. Sigo aí primeiro vapor”.

Meu tio leu o aviso, tomou um pedaço de papel e respondeu, no mesmo instante: “Não venha. Aqui grassando peste bubônica”. E soprou com força, para desabafar.

Feliciano Veras eleito prefeito de Araioses

Não podendo mais suportar a cidade e as relações que a vida urbana determina, entregou o velho Feliciano Veras a um dos parentes da mulher a chácara de Parnaíba, e embarcou para a vila de Araioses, onde mandou construir uma pequena casa de moradia.

Elegeram-no prefeito municipal, e ele prestou consideráveis serviços à localidade, mandando edificar o mercado com dinheiro quase todo do seu bolso, pois que ele era mais rico do que o município.

– Ah, meu amigo – contava-me ele, mais tarde, no Rio de Janeiro –, eu nem lhe digo nada! Promovi uma festa para inaugurar o mercado. Mandei contratar uma banda de música de Parnaíba e comprar uma bandeira verde-amarela no Maranhão.

E o meu maior trabalho, meu amigo, consistiu em convencer as caboclas de que não se dançava o Hino Brasileiro nem se podia fazer saia com aquela chita do pavilhão nacional!…

Feliciano Veras foge para morar numa Ilha

A sua permanência em Araioses não foi, todavia, demorada. Vivia lá sossegado, e quase feliz, entre gente simples, quando lhe surgiram visitas de Parnaíba, amigas e parentes da senhora, que não tinham notícias dela. Tímido como quase todos os ironistas, meu tio não fechou a porta. Recebeu-os.

Dias depois, porém, entregava a casa aos visitantes, e, mandando construir outra, com apenas um quarto e uma cozinha em uma pequena ilha solitária do delta do Parnaíba, transferiu-se para aí com a esposa, indo viver, os dois, no mais absoluto isolamento.

O próprio vaqueiro residia em uma ilha próxima. Naquela em que ele morava só havia dois seres humanos: ele e a mulher. Quando algum parente ou amigo aparecia por lá a negócio, sob a condição de regressar no mesmo dia, era infalível a sua declaração:

– Daqui não saio senão puxado por Deus pelo cós da calça. E aqui ficarei até o dia em que ouvir o canto do galo do meu vizinho… Não quero sair nem morto. Se aqui morrer, enterrem-me no pátio da casa, em pé, e de braços abertos. Depois, abandonem a ilha. Quero o silêncio! Quero a paz! Quero a solidão!

E soprava: – Ufff!… Ufff!…

Feliciano Veras isolado pela cheia do rio Parnaíba

Um dia, o rio começou a encher, a subir, a transbordar. Os irmãos residentes em Parnaíba lembraram-se do velho misantropo e tratam de ir em seu socorro. Meu tio Franklin toma uma lancha e ruma para a ilha solitária. A água está a poucos metros da casa, mas o rebelado não aceita o auxílio:

– Não vou, meu amigo; não vou! – dizia, soprando. – Só sairei daqui quando puser um pé no batente da porta e outro na proa da canoa… Se quiser fundear a sua lancha ao largo, pode fundear. Mas daqui não saio.

E não saiu. O rio chegou ao pátio da casa, devastando tudo com a sua correnteza sinistra e gorgolejante. Mas o velho coronel Feliciano preferia morrer nas águas barrentas do Parnaíba a sofrer a intimidade impertinente dos que se metiam na sua casa.

Feliciano Veras no Rio de Janeiro

Em 1915, estava ele no Rio de Janeiro, onde viera submeter a senhora a uma intervenção cirúrgica. Nessa viagem gastou duas ou três dezenas de contos de réis, alguns dos quais com o carro de fogo, nome que ele dava, pitorescamente, ao automóvel. Integrou-se na civilização.

Arejou o espírito, atormentado por quarenta e tantos anos de cizânia doméstica. E regressou para Parnaíba, instalando-se, de novo, na sua chácara dos Campos.

A viagem fora-lhe, porém, fatal. O conhecimento de uma grande cidade, os exemplos que vira na pensão de que fora hóspede, e os conselhos recebidos daqueles que o marido hostilizava a vida inteira, deram ânimo à pobre e enferma senhora para romper com o velho companheiro. 

A pobre esposa se separa para morrer em paz

Em Parnaíba, separaram-se, vivendo cada um em um lado da casa: ela, com os parentes; ele, sozinho. Em torno do ancião septuagenário uivaram todos os ódios e insultos. Ao fim de dois anos de velhice atormentada, ela morria.

Quando o corpo estava pronto para ser conduzido ao cemitério, o médico, seu sobrinho e meu primo, Dr. Mirocles Veras, foi convidá-lo:

– Meu tio, o enterro de minha tia já vai sair… O senhor não quer despedir-se dela?

– Não, meu amigo; muito obrigado… – respondeu no seu leito de doente.

E soprando, na sua dispneia de cardíaco:

– Já me havia despedido dela… Despedi-me em vida.

Ela morreu, e ele não a viu. O enterro saiu da mesma casa em que as duas almas agonizavam separadamente há dois anos, e ele não o acompanhou, nem quis olhar. Dias depois, chegava, porém, a sua vez.

A morte de Feliciano Veras

As síncopes, alarmantes, sucediam-se. Recuperando, de uma destas, os sentidos, pôs-se a recitar:

– “Quem passou… pela vida… em branca nuvem… e em plácido… dossel… adormeceu…”.

Outra síncope lhe interceptou a voz. Não concluiu. No dia seguinte saía da mesma casa em que morrera a mulher, e pela mesma porta, outro caixão.

Era o dele.

Veja onde Feliciano está sepultado e o estado de seu túmulo

Túmulo de Feliciano Veras

Conclusão

Trago este conto de Humberto de Campos para lembrar que uma cidade é feita de memórias e de pessoas que lutaram e viveram o seu tempo.

Hoje, Feliciano Veras é citado nos livros de história por ter sido o primeiro intendente (prefeito) de Parnaíba, do ano de 1893 a 1895. Veja todos os intendentes aqui no site.

Feliciano Veras está sepultado no cemitério da Igualdade, na cidade de Parnaíba. Seu túmulo está em péssimo estado de conservação.

Acho que deveria haver um pouco mais de cuidado com seu túmulo, pelo menos, já que ele foi o primeiro prefeito de Parnaíba.

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