História do Cajueiro de Humberto de Campos por ele mesmo!
Você gosta de histórias?
Conheça a história do cajueiro que o escritor Humberto de Campos plantou quando viveu em Parnaíba.
Veja as fotos do cajueiro, leia a história e descubra porque ele é tão especial para Ele.
Leia e conheça a verdadeira história do Cajueiro de Humberto de Campos na cidade de Parnaíba PI!
Introdução
Este é o conto em que Humberto narra como cultivou uma amizade com o seu cajueiro.
E quem vai contar a história é ele mesmo.
E você vai poder desfrutar de uma leitura magnífica de um dos contos sobre a cidade de Parnaíba retirado do livro Mémorias.
O Título do Conto é:
CAJUEIRO, UM AMIGO DE INFÂNCIA
NO DIA seguinte ao da mudança para a nossa pequena casa dos Campos, em Parnaíba, em 1896, toda cheirando ainda a cal, a tinta e a barro fresco, ofereceu-me a natureza, ali, um amigo.
Entrava eu no banheiro tosco, próximo ao poço, quando os meus olhos descobriram no chão, no interstício das pedras grosseiras que o calçavam, uma castanha de caju que acabava de rebentar, inchada, no desejo vegetal de ser árvore.
Dobrado sobre si mesmo o caule parecia mais um verme, um caramujo a carregar a sua casca do que uma planta em eclosão.
A castanha guardava, ainda, as duas primeiras folhas úmidas e avermelhadas, as quais eram como duas joias flexíveis que tentassem fugir do seu cofre.
– Mamãe, olhe o que eu achei! – grito, contente, sustendo na concha das mãos curtas e ásperas o monstrengo que ainda sonhava com o sol e com a vida.
– Planta, meu filho… Vai plantar… Planta no fundo do quintal, longe da cerca…
Humberto de Campos narra o crescimento do seu Cajueiro
Precipito-me, feliz, com a minha castanha viva. A trinta ou quarenta metros da casa, estaco.
Faço com as mãos uma pequena cova, enterro aí o projeto de árvore, cerco-o de pedaços de tijolo e telha. Rego-o. Protejo-o contra a fome dos pintos e a irreverência das galinhas.
Todas as manhãs, ao lavar o rosto, é sobre ele que tomba a água dessa ablução alegre.
Acompanho com afeto a multiplicação das suas folhas tenras.
Vejo-as mudar de cor, na evolução natural da clorofila. E cada uma, estirada e limpa, é como uma língua verde móbil, a agradecer-me o cuidado que lhe dispenso, o carinho que lhe voto, a água gostosa que lhe dou.
Crescimento do Cajueiro de Humberto de Campos
O meu cajueiro sobe, desenvolve-se, prospera. Eu cresço, mas ele cresce mais rapidamente do que eu. Passado um ano, estamos do mesmo tamanho. Perfilamo-nos um junto do outro, para ver qual é mais alto.
É uma árvore adolescente, elegante, graciosa. Quando eu completo doze anos, ele já me sustenta nos seus primeiros galhos. Mais uns meses e vou subindo, experimentando a sua resistência. Ele se balança comigo como um gigante jovem que embalasse nos braços o seu irmão de leite.
Até que, um dia, seguro da sua rijeza hercúlea, não o deixo mais. Promovo-o a mastro do meu navio, e, todas as tardes, lhe subo ao galho mais empinado onde, com o braço esquerdo cingindo o caule forte, de pé, solto, alto e sonoro, o canto melancólico da Chegança, que é, por esse tempo, a festa popular mais famosa de Parnaíba:
Mão direita aberta sobre os olhos como quem devassa o horizonte equóreo, mas devassando, na verdade, apenas os quintais vizinhos, as vacas do curral de Dona Páscoa e os jumentos do sr. Antônio Santeiro, eu próprio respondo, com minha voz gritada, que a ventania arrasta para longe, rasgando-a, como uma camisa de som, nas palmas dos coqueiros e nas estacas das cercas velhas, enfeitadas de melão São Caetano:
A memória fresca e límpida reproduz, uma a uma, fielmente, todas as passagens épicas, todas as canções melancólicas e singelas da velha lenda marítima com que o majestoso mulato Benedito Guariba, uma vez por ano, à frente dos seus caboclos improvisados em marujos portugueses, alvoroça as ruas arenosas da Parnaíba.
O vento forte, vindo das bandas da Amarração, dá-me a impressão de brisa do oceano largo. O meu camisão branco, de menino da roça, paneja, estalando, como uma bandeira solta. O cajueiro novo, oscilando comigo, dá-me a sensação de um mastro erguido nas ondas.
E eu, sugestionado pela imaginação, via – eu via! – as vagas rolando diante de mim, na curva do horizonte, onde o céu e o mar se beijam e misturam, as terras claras de Espanha, e areias de Portugal.
Pouco a pouco, a noite vem descendo. Um véu de cinza envolve docemente os coqueiros dos quintais próximos. Os bezerros de Dona Páscoa berram com mais tristeza. As vacas, apartadas deles, respondem com mais saudade.
Os jumentos do sr. Antônio Santeiro zurram as cinco vogais e o estribilho ipsilon marcando sonoramente as seis horas. Os do sr. Antônio de Monte, ao longe, conferem e confirmam o zurro, o focinho para o alto, olhando o milho de ouro das primeiras estrelas.
E eu, gajeiro de uma nau ancorada na terra, desço, tristemente, do folhudo mastro do meu cajueiro, sonhando com o oceano alto, invejando a vida tormentosa dos marinheiros perdidos, que não tinham, pelo menos, a obrigação de estudar, à luz de um lampião de querosene, a lição do dia seguinte.
Aos treze anos da minha idade, e três da sua, separamo-nos, o meu cajueiro e eu. Embarco para o Maranhão, e ele fica. Na hora, porém, de deixar a casa, vou levar-lhe o meu adeus.
Abraçando-me ao seu tronco, aperto-o de encontro ao meu peito. A resina transparente e cheirosa corre-lhe do caule ferido. Na ponta dos ramos mais altos abotoam os primeiros cachos de flores miúdas e arroxeadas como pequeninas unhas de crianças com frio.
– Adeus, meu cajueiro! Até à volta!
Ele não diz nada, e eu me vou embora.
Da esquina da rua, olho ainda, por cima da cerca, a sua folha mais alta, pequenino lenço verde agitado em despedida. E estou em São Luís, homem-menino, lutando pela vida, enrijando o corpo no trabalho bruto e fortalecendo a alma no sofrimento, quando recebo uma comprida lata de folha acompanhando uma carta de minha mãe:
“Receberás com esta uma pequena lata de doce de caju, em calda. São os primeiros cajus do teu cajueiro.
São deliciosos, e ele te manda lembranças…”
Há, se bem me lembro, uns versos de Kipling, em que o Oceano, o Vento e a Floresta palestram e blasfemam. E o mais desgraçado dos três é a Floresta, porque, enquanto as ondas e as rajadas percorrem terras e costas, ela, agrilhoada ao solo com as raízes das árvores, braceja, grita, esgrime com os galhos furiosos, e não pode fugir nem viajar… Recebendo a carta de minha mãe, choro, sozinho. Choro, pela delicadeza da sua ideia.
E choro, sobretudo, com inveja do meu cajueiro. Por que não tivera eu, também, raízes como ele, para me não afastar nunca, jamais, do quintal em que havíamos crescido juntos, da terra em que eu, ignorando que o era, havia sido feliz?
Volto, porém. O meu cajueiro estende, agora, os braços, na ânsia cristã de dar sombra a tudo. A resina corre-lhe do tronco mas ele se embala, contente, à música dos mesmos ventos amigos. Os seus galhos mais baixos formam cadeiras que oferece às crianças.
Tem flores para os insetos faiscantes e frutos de ouro pálido para as pipiras morenas. É um cajueiro moço e robusto. Está em toda a força e em toda a glória ingênua da sua existência vegetal.
Um ano mais, e parto novamente. Outra despedida; outro adeus mais surdo, e mais triste:
– Adeus, meu cajueiro!
O mundo toma-me nos seus braços titânicos, arrepiados de espinhos. Diverte-se comigo como a filha do rei de Brobdingnag com a fragilidade do capitão Gulliver. O monstro maltrata-me, fere-me, tortura-me. E eu, quase morto, regresso a Parnaíba, volto a ver minha casa, e a rever o meu amigo.
– Meu cajueiro, aqui estou!
Mas ele não me conhece mais. Eu estou homem: ele está velho. A enfermidade cava-me o rosto, altera-me a fisionomia, modifica-me o tom da voz. Ele está imenso e escuro. Os seus galhos ultrapassam a cerca e vão dar sombra, na rua, às cabras cansadas, aos mendigos sem pouso, às galinhas sem dono… Quero abraçá-lo, e já não posso. Em torno ao seu tronco fizeram um cercado estreito. No cercado imundo, mergulhado na lama, ressona um porco… Ao perfume suave da flor, ao cheiro agreste do fruto, sucederam, em baixo, a vasa e a podridão!
– Adeus, meu cajueiro!
E lá me vou outra vez e para sempre, pelo mundo largo, onde hoje vivo, como ele, com os pés na lama, dando, às vezes, sombra aos porcos mas, também, às vezes, doirado de sol lá em cima, oferecendo frutos aos pássaros e pólen ao vento, e, no milagre divino do meu sonho, sangrando resina cheirosa, com o espírito enfeitado de flores que o vento leva, e o coração, aqui dentro, cheio de mel, e todo ressoante de abelhas…
Conclusão
Espero que tenha gostado!
Humberto de Campos tem vários contos sobre Parnaíba.
Veja outros temas aqui no site, nosso objetivo é trazer para você conhecimentos que sobre Parnaíba nas diversas áreas.
O nosso site é uma ponte entre os conehcimentos eruditos escondidos nos livros e você.
Obrigado e até o proximo!
Fonte
Campos, Humberto de
Memórias e Memórias inacabadas/Humberto de Campos. – São Luís: Instituto Geia, 2009.
Uma resposta
Já conheço a história do cajueiro
Passei toda a minha infância em Parnaíba
Estudei no Grupo Escolar João Cândido, Na Rua Coronel Pacífico
Foi lá que li pela primeira vez a História do Cajueiro de Humberto de Campos
Na época achei tão interessante li muitas vezes até decorar todo o texto que começa assim: Aos três e anos de minha idade e três da sua”
….